Toda análise de um objeto, quando feita isoladamente do seu contexto geral, pode produzir visões parciais ou deformadas. Esse contexto, além de incluir o universo dos eventos relacionados ao objeto, de abranger uma faixa história que inclua passado, presente e futuro.
Para compreensão do momento atual da arquitetura precisamos remontar o cenário de toda uma época e sua civilização.
A vertiginosa queda da sociedade industrial leva consigo todos os princípios que as gerações dos últimos dois séculos, inclusive a nossa, tiveram como verdadeiros e inquestionáveis. A arquitetura moderna, um dos expoentes dessa civilização, desmorona, pois sua legitimação moral, estética e filosófica já não existe mais.
Vivemos hoje um período de transição, tão ou mais importante que a revolução industrial, que não se limita à arquitetura ou às artes. Uma nova civilização está surgindo, não por vontade de alguns ou por imposição de “magna carta”, tão pouco pela decisão de uma esmagadora maioria. O motivo da mudança é aparentemente simples: a estrutura da sociedade moderna, criada nos moldes do industrialismo, não se conforma mais aos novos modos atuais de viver, pensar, produzir, etc.
Apesar de vivermos intensamente esse processo, estamos inconscientes do mesmo. Alguns, com suas atitudes, colaboram com a mudança; outros arraigados nos dogmas da cultura mecanicista, tornam mais dolorosa a transição.
No código de toda essa cultura que se esvai estão os princípios (1) da padronização, sincronização maximização, concentração, centralização e especialização, que pretenderam tornar o quadro social moderno estável e previsível. A padronização de costumes, cultura, necessidades, foi imprescindível (usamos jeans, trabalhamos das 8 às 18 horas, assistimos aos mesmos programas na TV, tomamos Coca-Cola); o apito da fábrica, a escola, a hora do almoço, a novela das oito, fazem a sociedade pulsar em um mesmo ritmo (a sincronização da vida). A maximização busca obstinadamente a evolução quantitativa (maior hidrelétrica, maior “hot-dog”); o que é quantidade concentramos (mercado, mão-de-obra, energia, produção); a qualidade centralizamos (decisões, poder, informação); a especialização, qua na linha de montagem fragmentou a produção, fez o mesmo com o conhecimento, imaginando que essa visão cartesiana (divisão do problema em partes) proporcionasse a compreensão do todo.
Esse código determinou a meta-linguagem que legitimou a arquitetura moderna. O estilo “internacional “, com seu ” homem tipo”, veio de encontro à padronização dos demais setores; no urbanismo, os efeitos da sincronização são facilmente notados nas horas de pico e nos atropelos do transporte de massa; o que foi considerado supérfluo foi abandonado, pois a maximização rezava o aproveitamento máximo dos espaços e dos materiais = “less is more”-; a concentração do mercado, energia, produção, gerou as megalópoles e nestas concentrou suas atividades (zona residencial, administrativa, comercial, etc.); o controle de todas essas funções centraliza-se em áreas específicas (cidades pólo, centro da cidade), estabelecendo um campo de influências; as atividades do homem foram centralizadas (trabalho, circulação, lazer, habitação, eduacação). É esse o código que agora está em crise.
O aparente caos dos eventos atuais (crise na família, energias alternativas, movimentos separatistas, crise de realidade, revolução “gay”, movimentos ecológicos), mostra-se desconexo na sistemática cartesiana. Mas dentro de uma visão holística e histórica, nota-se que esses eventos interagem caracterizando um período de transição, onde o universo dos eventos da sociedade não encontra legitimação no discurso em extinção, e espera uma nova meta-linguagem que os interprete.
Em transições como a que passamos, ocorrem com freqüência situações ambíguas e contraditórias, pois apresentam aspectos do que está deixando de existir e do que está para surgir.
A concentração nas grandes cidades é desafiada pelo indivíduo que mora e trabalha numa região selvagem, produzindo o que antes se julgaria impossível produzir fora de um grande centro; lado a lado com as informações massificadas (TV, jornal) já nos chegam informações individualizadas (TV a cabo, grupos telemáticos); a força da dessincronização do cotidiano é revelada pela criação de serviços fora de horáriopadrão (Banco 24 horas, Disque-Pizza).
O tardo-moderno e o pós-moderno nada mais são do que a manifestação desse momento de mudança da sociedade, onde todos os valores estão em crise.
No tardo-moderno a arquitetura começa a se desmitificar. A pureza das formas simples vai aos poucos sendo substituída pela intersecção de vários sólidos e em seguida é desmascarada; os edifícios vão cada vez mais revelando sua estrutura, seus equipamentos, até o ponto em que estes tornam-se a própria arquitetura. O arquiteto não era mais o salvador do mundo e fazia arquitetura apenas pela arquitetura.
O pós-moderno, simultaneamente, surge com um discurso de protesto (“less is bore”) aos dogmas do moderno. É uma reação contra um passado recente, voltando-se mais para um passado histórico que para o futuro ou presente. Busca na sociedade os subsídios para sua arquitetura – ao contrário da produção autoritária moderna, ou do isolamento tardo-moderno – tentando uma aproximação com a linguagem popular. Sua abordagem ainda é causal. No moderno o homem se adapta à cidade: a cidade é causa, o comportamento é efeito. No pós-moderno a cidade se adpta ao homem; o homem é causa, a cidade é efeito. A relação mecanicista causa/efeito continua.
Tanto tardo quanto pós-moderno, por serem divisores de águas, assumem ora odores modernistas (mesmo com negação), ora odores de uma nova sensibilidae. Desse modo, qualquer tentativa de rotulação ou classificação dessa arquiterura de transição, mais pormenorizada, torna fragmentada sua visão dificultando sua análise.
“O importante é que essas posturas arquitetônicas tomam sempre como corpo principal, a teia de verdade de nossa civilização moderna ou seja, nossos princípios básicos de tempo, espaço, ciência, evolução política, economia, etc.”(2); (discute-se a estética de um edifício de escritórios; deve ser pós, tardo ou moderno, mas ainda é um edifício de escritórios).
O tardo e o pós-moderno, portanto, não apresentam uma idéia final, estando longe de caracterizar a meta-linguagem de uma nova era. A nova civilização só poderá ser visualizada se nos despojarmos de valores a que estamos condicionados. O novo código eatá em formação e suas consequências são tão imprevisíveis quanto foram as consequências provocadas pelo código industrial. Visualizarmo-las é tão difícil quanto o foi para um presursor do período industrial.
Nossa tarefa é distinguir desse emaranhado de contradições a nova meta-linguagem, os novos modos de vida, a nova arquitetura. Nosso destino é criar.
Antonio J. Gonçalves Junior, Aurélio Sant’Anna,
Frederico Carstens, Mário Costenaro e Rossano Lucio Fleight.