As ponderações de Robert Venturi expostas em 1966 no livro “Complexidade e Contradição em Arquitetura”, transformaram radicalmente as percepções perante a arquitetura moderna. Inúmeros caminhos começaram a ser experimentados na tentativa de superar o estágio da arquitetura acadêmica moderna e de agregar novos valores desprezados até então.
Em meados da década de sessenta a arquitetura estava reduzida a fórmulas padrão espelhadas nos cânones modernos e repetidas exaustivamente. A partir daquele momento, as propostas de novas possibilidades em arquitetura, as quais distanciavam-se do ideário modernista ortodoxo, materializaram-se com grande impacto e consistência. Esta arquitetura a qual convencionou-se denominar de pós-moderna disseminou-se globalmente e suas manifestações podem ser observadas no cotidiano das cidades brasileiras. O apogeu destas novas propostas no cenário brasileiro aconteceu nas décadas de 80 e 90, e até mesmo cidades com alto comprometimento com o pensamento arquitetônico moderno como Curitiba, enfrentaram estas mudanças.
Passados cerca de 30 anos desde as primeiras manifestações ditas pós-modernas, as quais iniciaram-se na arquitetura e proliferaram-se por todas as áreas do conhecimento, o entendimento deste fenômeno e da sua materialização cotidiana já pode ser pretendido por existir um certo distanciamento temporal e uma pequena perspectiva histórica.
Com o termo pós-moderno pretende-se, neste trabalho, designar o conjunto dos processos de modificações ocorridos na cultura da civilização moderna, responsáveis pelo fim do prevalecimento de um ponto de vista universal ou do domínio de um metarrelato sobre a civilização contemporânea. O termo pós-moderno, então, não será utilizado como um estilo arquitetônico específico, mas como a sensibilidade de um período em processo de desenvolvimento e de transformações, caracterizado pela revisão crítica da civilização industrial e de sua lógica moderna, iluminista e positivista.
Dentro deste entendimento, a arquitetura está focalizada como parte integrante desta cultura, como um campo do saber que influencia e é influenciado, reage e estimula, compondo o processo de auto-organização da história da humanidade. A arquitetura neste trabalho não será considerada, como um resultado, como a conseqüência do espírito de uma época, o que seria uma visão linear extremamente simplista, nem tão pouco como um elemento isolado, auto-suficiente e protegido pelo distanciamento de uma torre de marfim.
Este sistema retroalimetador gera, segundo Jameson, a perda da capacidade do auto-gerenciamento, apaga-se o sentido de história, e começa-se a viver em um “presente perpétuo”, sem profundidade, sem definição, sem identidade segura e sem futuro.
Em seu auge, o pós-modernismo forneceu o corretivo necessário a visão exclusivista e falsamente universal do modernismo ortodoxo. Mas isto trouxe também a reboque uma série de conseqüências inaceitáveis. Críticos como Baudrillard, Guy Debord e o grupo October alertaram para o perigo de uma realidade mediada do espetáculo. Outros como Harvey e Jameson enxergaram o momento contemporâneo como a lógica de um novo capitalismo avançado. Ao mesmo tempo teóricos como Lyotard, Toffler, Lèvy e Connor enxergando a inexorabilidade dos fatos históricos apontaram para caminhos renovados e positivos para uma nova fase pós-moderna.A arquitetura pós-moderna passou de um estágio de pura contestação ao modernismo para posicionamentos estereofônicos atrelados às teorias da literatura e da ciência pós-moderna. No pequeno período de três décadas a arquitetura pós-moderna surgiu, apresentou padrões estéticos, sepultou padrões estéticos diversos que ela mesma formulou, gerou novas opções e manteve-se sempre distanciada de qualquer pretensão de formar um conceito único, capaz de abrigar um novo metarrelato contemporâneo.
A arquitetura praticada nos últimos anos apresentou muitas facetas, a linguagem do prosaico, do cotidiano, tão bem percebida por Robert Venturi em Las Vegas foi incorporada ao objeto arquitetônico nos mais variados níveis, passando pela releitura literal ou figurativa até as propostas abstratas mais radicais. Esta urgência em usufruir o imediato, em tornar a experiência concreta do momento, em ator principal do projeto, significou a resposta à falência da idéia da redenção iluminista pela ciência. As diferenças passaram a ser compreendidas e aceitas. Múltiplas posturas éticas e estéticas, padrões comportamentais, noções sobre o belo, passaram a compor modelos de arquiteturas onde a multiplicidade aflorou através da satisfação de interesses de pequenos grupos, expressão individual do autor do projeto, dos sentimentos, da ironia, do lúdico, da ambigüidade, da complexidade, da dualidade, do contraditório, da referência e da citação.
Durante estes anos de reexame da arquitetura e da cultura moderna, a influência extradisciplinar acentuou-se, principalmente no campo literário com a semiótica e o estruturalismo. Teorias da comunicação e a fenomenologia indicaram novos caminhos para trabalhar a crise de significado na arquitetura. O pós-estruturalismo lançou a visão pós-moderna para além do ato de procurar descobrir um significado que coincidisse com a intenção do autor, anterior ao estruturalismo, e com a importância destinada ao processo em detrimento da verdade do significado do trabalho, pretendido pelo estruturalismo. O pós-estruturalismo defendeu a proliferação de histórias, contadas a partir de outros pontos de vista do que aquele do autor, ou de uma suposta elite dominante. A desconstrução tornou-se uma das mais significativas manifestações pós-estruturalistas expondo e desmantelando as contradições e vulnerabilidades da estrutura do discurso. A arquitetura passou a ser lida como um texto, e a interação entre a obra e os usuários como as relações da teoria dos jogos explanada por Lyotard.
O termo pós-modernismo tornou-se desacreditado por sua popularidade. Hal Foster observou que tratado como moda o pós-modernismo tornou-se démodé. Porém, em um exame mais atento, segundo Eleanor Heartney, o real retornou em formas que denotam uma mudança da consciência representada pelo pós-modernismo. Não é mais possível pensar que a história segue um único curso, ou que o leitor não e um componente essencial de qualquer texto, ou que a noção de ego não relaciona-se com autoridade e poder.Para Heartney, apesar de todas contradições e absurdos ocasionais, esta claro que o pós-modernismo refez o mundo em aspectos que jamais poderão ser revogados.
Neste início de novo milênio a reflexão não é apenas lícita mas indispensável. Charles Jencks em “The Architecture of The Jumping Universe” argumenta que diante de inúmeras falsas novidades, Mies Van Der Rohe disse perto do final de sua vida: “One cannot have a new architecture every monday morning”. O deslocamento da jovialidade criativa e romântica para o envelhecido estático clássico é uma rota trilhada por muitos no momento em que começam a saber o que realmente desejam e quão satisfeitos tornam-se então. Mas existe algo falso na renúncia do ardor criativo. Mies quando jovem, criou os arranha-céus em vidro, aperfeiçoou os edifícios de escritórios e produziu a Villa de Stijl, tudo em um espaço de tempo de quarenta anos. Esta flexibilidade ofuscou-se nos últimos vinte anos de sua vida, satisfeito plenamente com o perfil “I”repousando sobre a mesa de trabalho.
Uma estética diferente, do ponto de vista psicológico, faz com que enxergue-se o mundo com novas cores. É um tipo de renascer que abre territórios inexplorados, quebra as abstrações institucionalizadas, extrapola a linguagem da tribo. Como disse Le Corbusier “olhos que não enxergam” a beleza de sua época. Se o universo encontra-se em expansão permanente e da mesma forma as civilizações, talvez seja necessário e desejável a contínua modificação de linguagens ora induzindo o surgimento, ora sendo induzida pelos códigos estéticos, percepções de beleza e noções de validade ética. A busca pelo contemporâneo é a busca pelo futuro a qual não deve ser reprimida pela burocracia acadêmica lenta e pesada nem tornar-se uma histeria gratuita e incontrolável.
Os procedimentos adotados durante a composição do artefato arquitetônico, as estratégias compositivas responsáveis pela manipulação de elementos, de entidades espaciais de forma gráfica em um sistema de relações geométricas deveriam estar sempre em sintonia com o seu tempo. Em um período de transição, significa a tentativa de antecipar-se, de transgredir muitas vezes, de alinhar-se com a borda que promove as alterações culturais, aceitando os riscos inerentes ao ainda não totalmente convencionado.
O processo do projeto arquitetônico não completa-se sem as questões teóricas, filosóficas e ideológicas, as quais influenciam o destino do projeto o seu desenvolvimento prático, a interpretação e análise do programa e das condicionantes preliminares até o relacionamento com o contexto e a materialização do objeto arquitetônico.
Neste início de novo milênio a ansiedade por uma arquitetura pronta, por um novo modelo de projeto univalente deve ser reprimida. Neste início de novo milênio, a tolerância com a convivência entre éticas e estilos aparentemente dissonantes deveria alinhar-se com o rigor no aprofundamento intelectual e com a pesquisa interdisciplinar, ferramentas eficazes para o exercício profissional saudável e para a concretização de uma arquitetura tecnologicamente correta, economicamente viável, atenta ao contexto urbano no qual insere-se e crítica em relação a estética e a ética de um mundo cuja característica de transformação consolida-se como a essência de um novo momento histórico sedimentado.
A arquitetura então, seria capaz de virtualizar um tempo, uma idéia real, mantendo “prisioneiros” num momento as expectativas, numa conexão viva, entre o passado herdado, reinterpretado, o presente ativo e o futuro esperado, temido ou simplesmente imaginado. Como diz Lévy, “uma emoção posta em palavras ou em desenhos (eu acrescento, em arquitetura) pode ser mais facilmente compartilhada. O que era interno e privado torna-se externo e público. Mas isto é igualmente verdade no outro sentido: quando escutamos música, olhamos um quadro, ou lemos um poema, internalizamos ou privatizamos um item público. Sabe-se que em cada época da história os humanos tiveram o sentimento de viver uma “virada” capital. Isto relativiza toda uma impressão da mesma ordem que diga respeito ao período contemporâneo. Não consigo desfazer-me da idéia de que vivemos hoje uma mutação maior nas formas da inteligência coletiva”.
Frederico Carstens